Entrevista com Martin Seligman
positiva, o autor americano diz
quais são os caminhos para alcançar
o extraordinário mundo das pessoas felizes
A influência das emoções sobre a saúde intriga os médicos desde a Antiguidade. A maior parte dos tratados e pesquisas investiga os efeitos deletérios dos sentimentos negativos, como a tristeza, a angústia e a raiva. Há cerca de vinte anos, no entanto, psicólogos e psiquiatras inauguraram uma nova corrente, a "psicologia positiva", que visa a determinar o peso das emoções boas no equilíbrio físico e mental. Um dos principais representantes desse movimento é o psicólogo Martin Seligman, de 61 anos, professor da Universidade da Pensilvânia, nos Estados Unidos. Seligman, que por quase trinta anos lidou com pacientes deprimidos, resolveu inverter o curso de seus estudos. Em vez de se dedicar a entender as fraquezas humanas, ele buscou respostas para compreender quais são as raízes da felicidade. "Sabia-se muito a respeito da depressão, mas quase nada sobre a essência comum das pessoas felizes", diz. Seus críticos argumentam que os termos da psicologia positiva são muito vagos e superficiais. Pode ser. Mas o fato é que, com suas idéias, Martin Seligman, ex-presidente da Associação Americana de Psicologia, tornou-se um autor best-seller. Em seu novo livro, Felicidade Autêntica (Editora Objetiva), recém-lançado no Brasil, ele propõe que a conquista da felicidade seja um exercício diário, feito com gentileza, originalidade, humor, otimismo e generosidade.
Veja – É possível medir o grau de felicidade de uma pessoa?
Seligman – Sim, se estivermos falando de prazeres como sexo, chocolate e compras. Nesses casos, cada um sabe o que o faz mais feliz. Mas já fica mais difícil medir o grau da felicidade existencial, por assim dizer. O que dá para perceber é que há características comuns às pessoas que consideramos felizes. Elas são, por exemplo, mais queridas pelos outros. Também tendem a ser mais tolerantes e criativas. As pessoas felizes têm em comum, ainda, hábitos de vida mais saudáveis, pressão arterial mais baixa e sistema imunológico mais ativo que as infelizes.
Veja – Por que o senhor resolveu enfocar a felicidade, e não a infelicidade, como fazem quase todos os psicólogos?
Seligman – A psicologia convencional nasceu para tentar entender o que torna alguém neurótico, deprimido, ansioso, de mal com o mundo. Durante mais de duas décadas dediquei-me a esse tipo de estudo. Mas, depois de anos nessa toada, achei melhor procurar compreender o que faz alguém feliz. Inclusive para indicar alguns caminhos para os infelizes. Descobri que homens e mulheres satisfeitos têm uma vida social mais rica e produtiva. Os muito felizes passam o mínimo de tempo sozinhos e mantêm ótimos relacionamentos. Cultivam mais as amizades e permanecem casados por mais tempo.
Veja – Os mais felizes vivem mais?
Seligman – O estudo mais notável feito até hoje sobre felicidade e longevidade analisou o cotidiano de 180 freiras. Todas tinham a mesma dieta, leve e balanceada, e estavam livres, é claro, de drogas, álcool e cigarro. Como também convém a freiras, elas não eram suscetíveis a doenças sexualmente transmissíveis. Pois bem, mesmo assim, foi constatada uma diferença sensível de longevidade entre as mais e as menos alegres. Entre as primeiras, 90% ultrapassaram os 80 anos. Do outro grupo, apenas 34% chegaram a essa idade.
Veja – Dinheiro traz felicidade?
Seligman – É evidente que uma situação financeira confortável ajuda. Mas é um erro pensar que, quanto mais dinheiro, mais satisfação. Especialmente se, para consegui-lo, se sacrificam outros aspectos. Trabalhar seis fins de semana seguidos para conseguir um salário maior, à custa de menos lazer e menos tempo com os filhos, não faz ninguém mais feliz. Uma pesquisa baseada na lista elaborada pela revista Forbes das 400 pessoas mais ricas dos Estados Unidos constatou que, na média, elas não são mais felizes que as de classe média. A riqueza tem uma correlação surpreendentemente baixa com o nível de felicidade. Os ricos são, em geral, só um pouco mais felizes que os pobres. Nos Estados Unidos, enquanto a renda aumentou 16% nos últimos trinta anos, o número de indivíduos que se consideram muito felizes caiu de 36% para 29%.
Veja – Mas existem estudos que associam a felicidade ao poder de compra.
Seligman – É verdade que países muito pobres, como Bangladesh, por exemplo, têm, na média, menos pessoas felizes que países como os Estados Unidos. Uma pesquisa realizada recentemente abordou um universo de mais de 1 000 pessoas em quarenta países. Os responsáveis cruzaram o nível de satisfação pessoal com o poder de compra correspondente a cada lugar. O resultado trouxe obviedades e surpresas. Numa escala de 10 pontos, a nação de pessoas mais felizes e satisfeitas é a Suíça. Os Estados Unidos estão em sexto lugar. Já o Brasil aparece num surpreendente décimo lugar, à frente da Itália, um país rico, onde as pessoas têm um poder de compra quase quatro vezes maior. Isso significa que os brasileiros têm particularidades que contrariam a crença de que felicidade está necessariamente associada a mais dinheiro.
Veja – Há pessoas que costumam dizer "eu não sou feliz, eu estou feliz". Isso faz sentido?
Seligman – Esse é o tipo de consideração que vale para quem pauta a vida pela quantidade de prazer imediato que consegue ter. É uma vida baseada exclusivamente no humor – e o humor tem altos e baixos. Uma felicidade mais plena sobrevive a esse tipo de montanha-russa.
Veja – É inegável, contudo, que existe a felicidade momentânea.
Seligman – Sim, e ela pode ser aumentada por meio de artifícios como um chocolate, um bom filme, uma roupa nova, flores ou uma boa massagem. Mas não é preciso ser um estudioso do assunto para verificar que coisas boas e realizações importantes incrementam a felicidade apenas temporariamente. Acredita-se que em menos de três meses eventos importantes como uma promoção perdem o impacto. O grande desafio é manter o nível constante de felicidade. A psicologia tenta estabelecer se cada um de nós tem um limite próprio para a felicidade – um limite herdado geneticamente e para o qual invariavelmente voltamos, por obra de um termostato interno. Você me perguntou sobre a relação entre felicidade e dinheiro. Pois bem, um estudo feito com ganhadores de gordos prêmios de loteria revelou que, passada a euforia causada pela entrada de uma grande soma de dólares, todos retornaram a seu nível básico de felicidade. A boa notícia é que mesmo depois de um evento muito triste esse termostato também nos tira da infelicidade e nos leva de volta ao patamar anterior.
Veja – Muitas pessoas têm tudo para ser felizes e não o são. Como explicar isso?
Seligman – Depois de acumular bens materiais e realizações, muitos tendem a esquecer que tudo aquilo foi fruto de conquistas nem sempre fáceis. Passam a encarar o status e o conforto que alcançaram como se fosse um dado da natureza, por assim dizer. Com isso, começam a ficar insatisfeitos e a querer sempre mais. É claro que tal atitude causa frustração. Por esse motivo, lidar com a felicidade pode ser tão difícil quanto enfrentar a infelicidade.
Veja – Alguém que teve uma infância marcada por acontecimentos muito infelizes pode se tornar um adulto feliz?
Seligman – Para Sigmund Freud, o pai da psicanálise, a infância determina a personalidade adulta. Na minha opinião, há uma certa dose de exagero nessa visão. Superestima-se o passado. Não há evidências suficientes de que acontecimentos traumáticos experimentados pela criança, como a separação dos pais ou a morte de parentes próximos, interfiram sempre a ponto de comprometer suas potencialidades. Acho que, se você se vê forçado pelo passado a trilhar o caminho rumo à infelicidade, tem todo o direito de esquecê-lo, sem que se sinta obrigado a ficar revolvendo ocorrências longínquas no tempo e no espaço.
Veja – Os mais bonitos são mais felizes?
Seligman – A beleza física certamente traz vantagens adicionais. Mas o fato é que a boa aparência exerce um efeito muito pequeno sobre a felicidade. Marilyn Monroe, para ficar num exemplo óbvio, era bela e profundamente infeliz.
Veja – Quais são os ingredientes de um relacionamento feliz?
Seligman – Não existe uma receita propriamente dita. Em meus estudos, descobri coisas inusitadas sobre os relacionamentos. Um dos exercícios que costumo aplicar é separar um casal e fazer com que cada um dê sua opinião sobre o outro. Depois, os resultados são comparados com a avaliação de pessoas próximas, como parentes e amigos. Quanto maior a discrepância da opinião do parceiro amoroso em relação à imagem social e familiar do outro, maior é a ilusão que existe entre eles. E, quanto maior essa ilusão, mais feliz e estável é o relacionamento. Homens e mulheres casados e satisfeitos vêem virtudes nos seus cônjuges que nem os amigos mais próximos conseguem enxergar. Hoje, muitos terapeutas de casais se dedicam a fazer com que casamentos marcados por brigas se transformem em uniões toleráveis. Eu prefiro transformar bons casamentos em uniões excelentes.
Veja – Os casados são mais felizes que os solteiros?
Seligman – Sim, o casamento está intimamente ligado à felicidade. Uma pesquisa nos Estados Unidos ouviu 35 000 pessoas nos últimos trinta anos. Dessas, 40% das casadas se disseram muito felizes, contra apenas 24% das solteiras, viúvas e separadas. A vantagem para os casados parece estar ligada ao fato de que eles se sentem mais amparados. Existem, no entanto, duas outras explicações para essa diferença de porcentagem, que antecedem o casamento em si: as pessoas felizes são mais predispostas a se casar e a manter o relacionamento. Os deprimidos tendem a ser mais retraídos, irritáveis e voltados para si, o que os torna menos interessantes.
Veja – As mulheres sofrem duas vezes mais de depressão que os homens. Elas são mais infelizes que eles?
Seligman – As mulheres são mais deprimidas, mas, curiosamente, também experimentam mais emoções positivas que os homens. Talvez isso se deva em parte à biologia e em parte à disposição feminina de falar mais abertamente de suas emoções – o que pode ser considerado um dado cultural.
Veja – Os velhos tendem a ser mais infelizes?
Seligman – Até a década de 60, acreditava-se que a felicidade estava associada à juventude e também a um bom nível de instrução. Essa idéia foi negada pela experiência. Velhos que tiveram uma boa vida dificilmente encontram motivos para ser infelizes – e pessoas menos cultas podem achar a felicidade dentro de suas possibilidades. Como digo no meu livro, embora o nível de instrução seja um dos melhores meios para aumentar os rendimentos, ele não é necessariamente causa de aumento da felicidade. A inteligência também não influencia a felicidade, seja para mais, seja para menos.
Veja – E os religiosos?
Seligman – Quem pratica uma religião é claramente menos predisposto a usar drogas, a se divorciar e a cometer crimes e suicídio. Costuma ser também mais saudável e viver mais. A relação direta entre fé religiosa e esperança no futuro acaba por afugentar o desespero e aumentar a felicidade. Mas essa não é, evidentemente, uma receita para todo mundo.
Veja – O número maior de deprimidos no mundo não seria proporcional ao aumento do número de pessoas que buscam uma felicidade que simplesmente não existe?
Seligman – A depressão é dez vezes mais freqüente hoje do que era em 1960. Ela também ataca cada vez mais cedo. Acredito que o que aconteceu foi um excesso de confiança nos atalhos que prometem a felicidade imediata: drogas, consumismo e sexo casual, entre outros exemplos. Tudo isso é fruto do narcisismo. E o narcisismo pode levar à depressão. Preocupar-se demais consigo próprio só faz intensificar tendências depressivas. Os profissionais da auto-ajuda vivem apregoando que todo mundo deve "entrar em contato com seus sentimentos". Ora, há limite para isso. Talvez fôssemos mais felizes se nos preocupássemos mais com o outro.
Veja – Hoje em dia, até mesmo pela eficácia dos tratamentos dos transtornos mentais, não existiria uma espécie de obrigação social de ser feliz?
Seligman – A felicidade não deve ser vista como uma meta obrigatória, embora seja natural querer ser feliz. O fato de haver tratamentos mais eficazes contribui para o alívio de certos tipos de infelicidade, mas eles não são garantia de que o mundo será um mar de rosas. Muito da felicidade que encontramos na vida é efeito colateral daquilo que fazemos. Por exemplo, diversos casais me procuram porque querem restabelecer a intimidade com seus parceiros. Essa intimidade, contudo, não se consegue por meio de remédios ou algo que o valha. Ela é conseqüência de uma mudança de atitude. Um casal feliz faz coisas positivas junto, de maneira espontânea, sem se preocupar se aquilo será motivo de felicidade ou não.
Veja – É possível ensinar alguém a ser feliz?
Seligman – É justamente esse o objetivo do meu trabalho: ensinar as pessoas a ser felizes e como intensificar essa felicidade. A mais agradável das tarefas de um pai – e eu diria que é até a principal – é desenvolver os traços positivos em seus filhos, em vez de apenas tentar apagar os negativos. É isso que garante às crianças os recursos para que se tornem adultos produtivos, equilibrados e satisfeitos. Felizes, enfim.
Retirada daqui ó.
É da Veja? É.
"So What?"
Leia e
tire algum proveito,
se puder!
"Have Fun!"
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