O Frescobol e a Comunicação
Uma das melhores coisas da vida são as descobertas que, mesmo sem-querer, fazemos no nosso dia-a-dia. Já andei falando um pouco sobre isso em relação à música, mas vejo cada vez mais que se isso se aplica a quase tudo que tenho conhecimento.
Bom, sou um eterno fanático por esportes. Se pudesse e tivesse tempo e estrutura praticaria todos possíveis. Sério. Hoje, o esporte é talvez a única coisa capaz de prender minha atenção na frente da televisão. Assisto tudo que posso, desde F1 e futebol até atletismo e tênis, desde luta de boxe até campeonato de sinuca. Isso às vezes até me preocupa um pouco, mas é uma das poucas coisas que, ao mesmo tempo em que me ajuda a relaxar, colabora fazendo um social com a família.
Só para citar um exemplo, pelo pouco que eu conheço, devo ser um dos poucos fãs de esporte que consegue ficar ligado assistindo aquelas intermináveis partidas de tênis de mais de três horas, mas que nunca segurou uma raquete. Eu adoro esse esporte, mas nunca o pratiquei. Nada. Nunca dei um saque sequer, mas acompanhei a carreira inteira do Gustavo Kuerten, do Pete Sampras, do Andre Agassi e agora Federer e Nadal. Amo o esporte mesmo sem saber exatamente como ele funciona dentro da quadra.
O Frescobol, no entanto, provou ser totalmente avesso à essa regra. Primeiramente, nunca vi transmissão pela tevê de um campeonato de Frescobol. Talvez por ele não ser um esporte propriamente dito. Nele, não há competição nem ganhadores. Só existe cooperação. A beleza, portanto, já começa por aí. Nesse jogo, o seu principal objetivo é facilitar ao máximo a jogada para o seu parceiro. O que mais empolga nesse jogo é justamente o comprometimento de cada jogador em manter a bolinha no ar. Quanto mais tempo o jogo se mantiver ativo, melhor. A parte mais divertida do jogo é conseguir correr e conseguir arredondar aquela bola difícil que tinha sobrado para você e com isso dar sequência à troca de bolas. A pior parte, como contraponto, é ter que correr atrás feito gandula daquela bolinha que você não conseguiu rebater.
Para mim, alguns dos melhores momentos da viagem a Itacaré foram, justamente, aqueles nos quais eu estava jogando frescobol com os amigos. Bater um frescobol com o "pé-na-areia" ou mesmo com água nos calcanhares, proporciona você uma sensação de liberdade tão fantástica que fica um pouco complicado de descrever.
Mas o que pretendo dizer com tudo isso é que as pessoas geralmente não percebem, mas muitas coisas na nossa vida funcionam como no Frescobol, mas o principal ponto talvez seja a comunicação. Acho que as pessoas, ao pensar na forma com que se comunicam umas com as outras, deveriam seguir as regras do Frescobol. Quais regras?
Primeiramente, Frescobol NÃO TEM regras fixas. Tudo nele é relativo. As regras variam de acordo com a situação, de acordo com um momento específico. Em segundo lugar, naturalmente trata-se de esporte que não dá para jogar sozinho. É preciso que haja alguém do outro lado pra rebater a sua bolinha, alguém que seja (e vai ser!) bem diferente de você e que talvez tenha certas dificuldades, dificuldades essas bem diferentes das suas, que também existirão independentemente da sua vontade.
Além disso, é complicado imaginar alguém jogando em qualquer outro lugar que não a praia, com todo seu espaço e amplidão. A praia, com todos seus elementos em pura plenitude, formam o palco que colaboram na contrução de um cenário perfeito na qual uma modalidade de esporte tão trivial se torna tão significativa para quem dela participa. E mais.
Não adianta jogar com agressividade, não adianta tentar bater na bolinha com toda sua força. Você provavelmente só estará disperdiçando sua própria (e valiosíssima) energia. Mais ainda. Não dá para jogar desatento. É fato: muita desatenção, e você, ao invés de um jogador, será um belo gandula de raquete na mão, você vai se cansar à toa, o jogo não vai durar muito tempo e não vai ser nada divertido.
E o mais importante. O foco deve estar SEMPRE na bolinha. A bola, enquanto ela estiver viajando no ar, deve ser obrigatoriamente o referencial para ambos os jogadores. No tênis, imagino, também deve funcionar assim. A bolinha deve ser a referência para que você posicione o seu corpo da melhor forma possível, de forma a rebatê-la com perfeição para o outro lado. Não adianta você querer forçar uma jogada extravagante com seu braço, ou com a raquete, só para não precisar se movimentar. Por isso o Frescobol, assim como o Tênis, ao contrário do que se pensa, é um esporte que exige muito mais das pernas do que propriamente dos braços. Exige movimentação e atenção constante. E é um esporte que não tolera displicência.
Da mesma forma funciona a comunicação interpessoal. As ideias seriam para conversa, assim como a bolinha é para o jogo. A partir do momento em que alguém joga uma ideia na mesa, o foco deve estar sempre nessa ideia em questão e não em si próprio ou em outra pessoa, ou seja, em outro jogador.
Enfim, a arte de dialogar exige basicamente as mesmas habilidades que um jogo de frescobol. Não basta você conseguir passar a bola pro outro lado, mas você deve se preocupar em rebatê-la de uma forma tal que seja possível que o outro jogador dê sequencia ao jogo, e assim ad infinitum. Dessa forma, você deve sempre procurar simplificar o máximo que puder o seu jogo. Apesar de o espaço disponível para o jogo ser aparentemente amplo, de não existir uma delimitação, uma quadra, uma marcação, os jogadores estão limitados ao alcance que cada possui um com a raquete. A medida de uma "quadra" na partida de frescobol depende mais da envergadura e da capacidade de movimentação do jogador do que de qualquer outra coisa. E pense bem. O esquema não funciona exatamente da mesma forma no campo da argumentação?
Em qualquer conversa, por mais informal que seja, quando há pelo menos duas pessoas, cada delas uma está tentando, à sua maneira, argumentar sobre um ponto. Quando se transfere o foco da ideia pura para a pessoa, mesmo que seja ela o próprio dono da ideia, o jogo perde força e a tendência é que a bola encontre o chão mais rapidamente. O diálogo morre. Da mesma forma, quando o jogador pensa demais apenas no seu próprio ego, quando não descamba para o lado de desmerecer quem que está do outro lado, no frescobol, assim como no diálogo, o "jogo" não se desenvolve.
Por isso cheguei à conclusão de que um diálogo deveria funcionar da mesma maneira que um jogo de frescobol. Pode parecer fácil à primeira vista, mas que para ser divertido e prazeroso, exige certa dose de entrega, de atenção dedicada, de adaptação às condições do momento, de paciência, e de intimidade com seu "oponente" além de tudo o que já foi dito aqui, e naturalmente, não é todo mundo que tem fluidez para praticá-lo.
Entretanto, foi com certa surpresa que percebi, no mesmíssimo instante em que divagava sobre tudo isso, na beira do mar, com uma brisa molhada balançando a cabeleira, e com uma câmera na mão, que existem pessoas que, mesmo jogando frescobol com certa fluência, não percebem nem desfrutam da plena riqueza que cada instante desse joguinho bobo pode nos oferecer; seja para nosso crescimento, seja para nossa transformação.
Para nossa evolução,
enfim...
0 Comments:
Postar um comentário
<< Home