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sábado, 25 de setembro de 2004

Lavar as mãos

O sistema educacional autoritário sempre transferiu para o aluno a culpa e a responsabilidade por seu mau desempenho, com o instituto da reprovação. Como se os governantes, os diretores das escolas, os professores, não tivessem nenhuma responsabilidade com o desempenho insuficiente de seus alunos.

Em países onde a educação é prioridade, o efeito perverso da reprovação se concentra na criança que não aprendeu o suficiente para a sua idade, e na família que não deu a ela a atenção devida. O Estado fica tranqüilo, porque o efeito negativo da reprovação fica limitado à criança, e não se espalha pelo sistema educacional.

Mas em países como o Brasil, onde a reprovação é endêmica, apesar das baixíssimas exigências apresentadas pelas provas, o efeito da reprovação não é meramente familiar, ele se espalha por toda a sociedade. Mesmo assim, o Estado lava as mãos.

O problema se agrava porque reprovação provoca mais reprovação: ao ficarem para trás, sem acompanhar os colegas de sua idade, sentindo-se deslocados entre crianças mais novas, os alunos reprovados abandonam a escola depois da segunda ou terceira reprovação.

Alguns voltam a estudar quando adultos, outros nunca. O prejuízo para o Brasil é imenso. Estima-se em R$ 5 bilhões o custo direto do represamento dos que se mantêm na escola, e é incomensurável o custo daqueles que a abandonam.

Assim surgiu a promoção automática, sob a orientação de uma pedagogia moderna que, coberta de boas intenções, retira da criança e da família a responsabilidade da reprovação.

Novamente o Estado lava as mãos. Retira-se a responsabilidade da criança e da família, mas nem o Estado nem a escola a assumem. O problema desaparece por decreto. Deixa de ser considerado, mas não deixa de existir.

O aluno continua reprovado por seu baixo aprendizado, apenas carrega sua reprovação à série seguinte. Ele é incentivado a permanecer na escola, porque acompanha colegas da mesma idade, mas não acompanha o aprendizado.

O resultado é trágico para o Brasil. Ao invés de a criança abandonar a escola, a escola abandona a criança. Ninguém assume a responsabilidade - nem criança, nem família, nem escola, nem Estado. E o Brasil paga o preço de um futuro comprometido.

O caminho está em combinar a moderna pedagogia com a responsabilidade educacional plena. Deixar de lavar as mãos. Não reprimir a criança, mas deixar de mentir para ela, para a família, para a escola e para o país, com uma aprovação injustificada.

A criança deve acompanhar seus colegas de idade até a série seguinte, mas sem ser aprovada. Ela fica com a obrigação, juntamente com sua família, de receber um acompanhamento extra, em horário especial depois da aula.

Assim, a criança que não aprender o que os amigos aprenderam é incentivada a continuar na escola, mas não é premiada por não ter estudado. A família não é penalizada com a reprovação, mas tem a obrigação de dar mais atenção à criança.

Isso já foi testado com sucesso. Entre 1995 e 1999, no governo do Distrito Federal, a escola pública adotou um sistema de ciclos que permitia à criança reprovada ser promovida à série seguinte, sem no entanto ser aprovada. Para que esse sistema funcione, porém, é preciso que o Estado e a escola assumam suas responsabilidades, e parem de lavar as mãos.

Deixem de transferir a culpa para as crianças, ou de liberá-las da responsabilidade de acompanhar as aulas e estudar. Abandonem a opção pelo abandono, pelo "deixa para lá", e assumam seu compromisso com o futuro e com a educação.

Cristovam Buarque

(Jornal do Commercio, Recife, 24/9)

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1 Comments:

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