Satisfeito
Eram hábitos estranhos que cultivava desde a infância. Começou com a sede. Aos oito anos passava um dia inteiro sem beber água só para chegar à noite e se satisfazer. Sentia um prazer incontrolável com isso.
Depois passou a não comer. Só comia uma vez por semana, mas se esbaldava entre chocolates, massas e molhos. Era adolescência, sua mãe achou normais as variações constantes de peso. Junto a isso, começou a controlar suas idas ao banheiro. O ato de urinar, após passar mais de vinte e quatro horas sem o fazer, era quase um nirvana. Defecava semanalmente. Achava que não era tempo suficiente para aproveitar o bastante, mas, depois do ocorrido na fila do banco, preferiu não arriscar mais.
Não era lá um homem muito sedutor e, sendo de família religiosa, logo conheceu a pessoa certa no coral da igreja. Sete meses após a lua-de-mel foi quando sua mulher pôde ter a segunda noite de sexo. Realmente, o gozo era incomparável, mas em um desses intervalos ela conheceu outro homem.
A decepção amorosa foi superada por outro hábito: Permanecer acordado. Bebia café, coca-cola, chegou até a tomar anfetaminas. Numa ocasião pôs o som do rádio no volume máximo. Dançou e cantou as músicas de infância. Foi feliz. Ficou por nove dias sem dormir e, quando o fez, nunca mais acordou.
Rapael Sodré