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quarta-feira, 6 de maio de 2009

Soçobra


Não dormira muito bem. Ao abrir os olhos sentiu-se um tanto estranho e cansado. Cansado? Parecia que as outras pessoas, dantes tão próximas e afetivas, enxergavam-no como um verdadeiro estranho. Não obstante sentia-se cada vez mais dono de si, arquiteto do próprio caráter.

A despeito disso, apenas uma idéia martelava agudamente a sua cabeça. Não sabia bem a razão de o futuro não ser mais capaz de o emocionar e o passado não ser mais nenhum incômodo. O presente era um campo neutro no qual ele não tinha existência, ou se existia era como se nunca tivesse existido de qualquer maneira.

Então, o que fazer? Deveria aproximar-se das pessoas tornando-se um pouco como elas, ou afastar-se definitivamente, buscando construir uma individualidade mais autêntica e pura, um caminho de sensações mais verdadeiras?

Sabia bem que o caminho solitário poderia representar uma ilusão, um delírio individual. O caminho solidário, por sua vez, representaria uma fuga, uma nítida falta de coragem, de enfrentar e superar os limites individuais, que definem propriamente a sua vida.

Possuía a sensação de que as pessoas desistiam muito facilmente dele. E na realidade já até sabia um dos motivos desse desencontro. Já não se apegava tanto às pessoas. Porém, achava ou até tinha alguma certeza de que qualquer crédito que porventura possuísse já estaria esgotado com a maioria das pessoas à sua volta.

Pensava na não-imutabilidade das coisas, nessa incrível impermanência. Deveria lutar contra isso? Seria o tempo capaz de ajustar de forma autônoma  qualquer coisa, em "tempo hábil"? Serviria o diálogo para algum fim que não o da simples persuasão?

A inércia que o prendia era exatamente a mesma que o impedia de seguir o próprio caminho.

Tudo isso e um ruído. Um ruído incessante e atordoante que acontecia todos os dias no local onde era obrigado a viver. Esse ruído reverberava intensamente dentro dele. Pensou de forma arguta que não havia nada que acontecesse lá fora que não tivesse alguma razão que a justificasse dentro de si. Dessa forma compreendeu que se há qualquer ruído lá fora é porque há muito mais ruído ali dentro.

Foi dessa forma que imaginou o mundo naquele momento. Fosse o mundo assim, não haveria problema algum, afirmou. Trataria de gostar dele justamente por isso. Porque se fosse diferente, em qualquer instância, ele (o homem) não existiria. E ele (o mundo) simplesmente seria...

Diferente!

Ou tampouco existiria.    

3 Comments:

Anonymous Anônimo said...

estamos na mesma sintonia!

qua. mai. 06, 10:42:00 PM

 
Blogger Luiz Alfredo said...

de longe o texto mais importante de sua coletânea em minha opinião: autoral, existencial, belíssimo!

qui. mai. 07, 09:20:00 AM

 
Blogger Walker said...

tudo é como é.

seg. mai. 11, 01:05:00 PM

 

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