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domingo, 29 de março de 2009

"À toa..."





DESEMPREGO [1.4.2004 ]

Por Contardo Calligaris

Capa da Folha, em 2.2.2004 : em fevereiro, na região metropolitana de São Paulo, o índice de desemprego subiu mais um pouco.

No domingo, o caderno "Empregos" assinalava que 56 semanas é o tempo médio para que um desempregado encontre trabalho. Haja ânimo.

As porcentagens variam segundo o índice escolhido, mas, de qualquer forma, é provável que todos os paulistanos conheçam um amigo ou um parente que, a cada manhã, olha no espelho e se pergunta por que fazer a barba ou por que escovar o cabelo.

Estou lendo um livro recente, que trata dos efeitos das adversidades externas sobre nossa saúde mental, Adversity, Stress and Psychopathology [Adversidade, Estresse e Psicopatologia], de Bruce Dohrenwend (organizador). A perda do emprego está na lista dos piores fatores adversos, com as catástrofes naturais, a morte de uma pessoa amada, o estupro, a doença grave, a separação ou o divórcio.

Nenhuma novidade nisso: é fácil entender que a perda do emprego seja fonte de angústia, de depressão e mesmo, às vezes, de "comportamentos anti-sociais": alcoolismo, violência familiar e condutas criminosas. Compreendemos imediatamente, por exemplo, o desespero do provedor (ou da provedora) que não consegue preencher as expectativas de seus dependentes. "Se a família não pode mais contar comigo, perco minha razão de ser."

Mas há algo mais, que talvez faça do desemprego a adversidade mais danosa para nossa saúde mental. Preste atenção: no balcão de um boteco, como na mesa de um jantar, se seus vizinhos forem desconhecidos, a primeira pergunta não será "quem é você?", mas "o que você faz na vida?". Se eles tiverem uma intenção alegre, talvez tentem primeiro descobrir seu estado civil. Fora isso, o interesse pela sua identidade se apresentará como interesse por seu papel produtivo.

Ora, tanto você como seu vizinho (ou vizinha) viverão essa conversa inicial como um momento, de alguma forma, falso. Pois todos sabemos que somos mais do que nosso ofício: temos histórias, amores, esperanças, interesses, paixões e crenças que, de fato, expressariam muito melhor quem somos. Ao trocarmos cartões de visita, mentimos por omissão. Identifico-me como executivo, bancária, escritor, médica, mecânico, mas quem sou eu? A poeta da meia-noite? O sedutor das salas de bate-papo na internet? O piadista do bar da esquina? O pai preocupado com a doença do filho? A mulher que, a caminho do escritório, se agacha e conversa com o sem-teto que vive na calçada? O homem que cantarola Dorival Caymmi tomando banho?

Não é o caso de sermos nostálgicos. Num passado não muito remoto, cada um era definido por sua proveniência, e as perguntas iniciais diziam: quem foram seus pais e antepassados? Onde você nasceu? Quais são as dívidas que você herdou?

Prefiro os dias de hoje, em que são nossas próprias façanhas que nos definem. É uma escolha que deveria nos deixar mais livres, mas acontece que a praticamos de um jeito estranho: junto com os laços que nos prendiam às nossas origens e ao passado, nossa vida concreta também é silenciada na descrição de nossa identidade. E nos transformamos em sujeitos abstratos, resumidos por nossa função na produção e na circulação de mercadorias e serviços.

Conseqüência: o desemprego nos ameaça com uma perda radical de identidade. E não adianta observar que, afinal, nos sobra o resto, ou seja, toda a complexidade de nosso ser. Tipo: "Perdi meu emprego, mas ainda sou pai amoroso, amante, esposo, amigo, leitor de Saramago e corintiano ou palmeirense". Não adianta porque, em regra, já renunciamos há tempos a sermos representados por nossa vida concreta.

Não é por acaso que as mulheres lidam com o desemprego melhor que os homens, como mostra uma pesquisa recente de Lucia Artazcoz e outros, Unemployment and Mental Health: Understanding the Interactions Between Gender, Family Roles and Social Class [Desemprego e Saúde Mental: Para Compreender as Interações Entre Gênero, Papéis Familiares e Classe Social], American Journal of Public Health, 2004, 94. Duas constatações de Artazcoz: 1) o impacto do desemprego é maior nos homens casados do que nos celibatários ("se não traz o feijão, você ainda é o pai?") 2) as mulheres casadas com filhos, ao perderem o emprego, sofrem menos que os homens e menos que as celibatárias. Explicação: para as mulheres, o exercício da maternidade ainda constitui uma identidade possível. "O que você faz na vida?". "Tomo conta de meus filhos." Para os homens, essa resposta não basta.

Enfim, espera-se que a economia crie empregos. Mas os poetas e os saltimbancos também têm uma tarefa crucial: são eles que podem, aos poucos, convencer a gente de que é nossa vida concreta que nos define, não nossa função produtiva.

P.S.: Um sonho recorrente propõe que reaprendamos a colocar raízes, ou seja, a definir nossa identidade por uma parcela de terra que nos sustentaria, que seria nossa e à qual pertenceríamos. Em 1932, Henry Ford, consternado pela crise que assolava os EUA, aderiu ao movimento da volta à terra. Declamou: "A terra! É lá que estão nossas raízes. Nenhum seguro-desemprego pode se comparar à aliança entre um homem e seu pedaço de terra". Curioso precursor de João Pedro Stedile, ele imaginava (e nisso tinha razão) que, se cada um mantivesse uma relação íntima com seu lote de terra, o desemprego poderia ser um aperto econômico, mas não uma queda no vazio. Pena, já era tarde demais para isso.

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Ontem, encontrei uma pessoa que eu não via há algum tempo. Sei que não é preciso - em todos nossos encontros e reencontros - se beijar e abraçar e perguntar "Como vai a vida?". Não é preciso fingir que gosta de mim, em qualquer momento. Não precisa nem mesmo me dirigir a palavra. Dessa pessoa, preferiria tal desprezo. Exigiria menos esforço para ambos, assim como nós dois ficaríamos mais confortáveis. Mas não. Existem pessoas que não perdem nenhuma oportunidade para serem extremamente desagradáveis. Não faço menor idéia da origem de tanto recalque. Quer dizer, faço sim. E talvez seja esse o seu maior incômodo em relação a mim. A diferença é que não sinto a menor vontade de ficar remoendo suas feridas. Não é vantajoso pra ninguém, nem mesmo para estabelecer minha defesa. Estaria, dessa forma, me rebaixando ao seu nível. E não é o que essa pessoa pensa em relação a mim que faz alguma diferença, mas justamente essa tentação me de transformar em alguém semelhante a ela. Alguém com "armas" na língua. A todo e qualquer momento oportuno. Não sou esse tipo de pessoa, sobretudo em ocasiões nas quais não há a menor necessidade. Não é razoável. Na verdade, pensando bem talvez essa pessoa realmente sirva como uma marcante referência na minha vida. Referência de tudo o que eu NÃO quero ser.

1 Comments:

Anonymous Anônimo said...

Mas não é que eu preferi a parte q começa assim: "ontem, encontrei uma pessoa..."
essa minha tara por historias pessoais, é q cresço lendo olhares e palavras de quem ja viveu e ponto.
e sobre o desemprego, ainda bem q nao comecei a trabalhar, nao corro esse risco. Q vagabunda.

Vai trabalhar vagabundo(Grande Chico para vc dar risadas GABS!!)

Vai trabalhar, vagabundo
Vai trabalhar, criatura
Deus permite a todo mundo
Uma loucura
Passa o domingo em familia
Segunda-feira beleza
Embarca com alegria
Na correnteza

Prepara o teu documento
Carimba o teu coração
Não perde nem um momento
Perde a razão
Pode esquecer a mulata
Pode esquecer o bilhar
Pode apertar a gravata
Vai te enforcar
Vai te entregar
Vai te estragar
Vai trabalhar

Vê se não dorme no ponto
Reúne as economias
Perde os três contos no conto
Da loteria
Passa o domingo no mangue
Segunda-feira vazia
Ganha no banco de sangue
Pra mais um dia

Cuidado com o viaduto
Cuidado com o avião
Não perde mais um minuto
Perde a questão
Tenta pensar no futuro
No escuro tenta pensar
Vai renovar teu seguro
Vai caducar
Vai te entregar
Vai te estragar
Vai trabalhar

Passa o domingo sozinho
Segunda-feira a desgraça
Sem pai nem mãe, sem vizinho
Em plena praça
Vai terminar moribundo
Com um pouco de paciência
No fim da fila do fundo
Da previdência
Parte tranquilo, ó irmão
Descansa na paz de Deus
Deixaste casa e pensão
Só para os teus
A criançada chorando
Tua mulher vai suar
Pra botar outro malandro
No teu lugar
Vai te entregar
Vai te estragar
Vai te enforcar
Vai caducar
Vai trabalhar
Vai trabalhar
Vai trabalhar

Enfim, o tema é outro!

ter. mar. 31, 11:45:00 AM

 

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